Mulheres, não ajudem a nos engolir!

Ilustração IA
publicidade

Sankofa é um termo africano que orienta sobre como é imprescindível revisitar o passado para agir no presente a fim de melhor planejar o futuro. Mergulhos ancestrais pressupõem resgate de memórias, entendimento de contextos, análise de ganhos, perdas e danos. É corajoso revirar o passado com o propósito de transformar – para melhor – o futuro, mas é doloroso perceber o que não mudou e que possivelmente pode piorar.

Revisar a trajetória feminina na história da humanidade, a fim de planejar um amanhã seguro e igualitário às mulheres, é uma saga de dor e sofrimento, com a percepção de avanços lentos e retrocessos prósperos. O presente quase sugere um avesso do mantra africano: apanhar toda a barbárie do passado, burilar com maestria e com o auxílio de todas as tecnologias hoje disponíveis para piorar sensivelmente o futuro.

É vigente a instalação minuciosa e calculada de uma dinâmica perversa e misógina praticada por homens  que arregimenta mulheres contra o próprio feminino: a serpente, dantes posta à sedução frutífera, agora é convencida a morder o próprio rabo. O absurdo e o inacreditável pode ser amanhã a norma social; distopias estruturadas à espreita e amalgamadas como o bem maior da coletividade.

Contextos distópicos de livros e filmes saem com sua indumentária grotesca direto para posses presidenciais e  dão o tom dos ‘novos tempos’, mostrando um futuro ainda pior.

A “nova ordem mundial” chega com novas armas, vestidas de Serena Joy* ou cuspindo balas de moral e bons costumes em nome da família e da paz mundial ou mesmo quando estão ali, mudas, olhos baixos, vão dando seus piores recados: recato, beleza e submissão… é o que basta!

Sim, há um dissimulado, mas firme propósito de nos recolher às profundezas, num limbo que imobiliza, subjuga e destroi, principalmente o que já conquistamos.

No entanto, se o dias se mostram mais difíceis e por vezes nos sentimos sucumbir, recorramos ao sankofa pra também perceber o quanto fomos ousadas, quantas de nós mulheres mergulharam num mar bravio e o quanto nadaram, constante e intensamente, numa luta incansável à autopreservação. Não foram poucas as tecnologias de sobrevivência desenvolvidas para que re(existíssimos) e revisitássemos nosso papel – e nosso valor! – no mundo; também não foram poucos os que tentaram nos interromper de todas as formas e ainda insistem em nos parar. É doloroso nos ver também do outro lado do front e lidar com a sensação de luta contra nós mesmas. É de dar medo! Mas, clamo que não nos percamos neste medo, porque ele nunca nos protegerá. Permitamos que o hoje nos fortaleça – façamos como nossas ancestrais que provaram que, unidas, somos capazes de construir dias melhores às que virão.

Não transformemos nossas lutas em esforços inglórios, nos deixando convencer de que não podemos protagonizar nossas vidas e requerer nossos direitos e o bem-viver.

Não ajudem a nos dizimar! Sejamos gratas as que vieram antes de nós e preservemos nossas vidas hoje e amanhã. Sankofa, mulheres, sankofa!

*Serena Joy é personagem do livro distópico Conto da Aia, de Margaret Atwood, adaptado para a série de streaming “The Handmaid’s Tale”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Conexão Juquery 
COMPARTILHE

Veja também

Utilizamos cookies para melhorar o desempenho e a sua experiência em nosso site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.